“A arte é um todo. Você não pode ser um artista se não houver música no teu desenho, ou se não houver poesia na tua escultura” (Walber Feijó)
Conheci o trabalho do Walber Feijó em 1995 na Oficina de Quadrinhos da UFC. Ele era de uma turma anterior a minha. Ao me deparar com seus traços, pensei de imediato: um mestre! Artista completo, clássico e virtuoso, Walber possui a mais nobre qualidade dos verdadeiros mestres: a simplicidade. Depois de fazer parte do histórico álbum Moreira Campos em Quadrinhos e de publicar na Brazilian Heavy Metal, ele aceitou generosamente o convite para publicar no Manicomics, revista independente que eu editei junto com JJ Marreiro e Geraldo Borges. Uma tremenda honra!
A sua arte incrível e seus roteiros inteligentes são atualmente publicados online no Armagem, site que reúne um grupo de quadrinistas cearenses que foi contemporâneo a ele na Oficina de Quadrinhos. Em 2016, Walber publicou uma linda história no álbum Antologia HQ, pela Demócrito Rocha. Projeto este que está concorrendo em duas categorias ao prêmio HQ Mix deste ano.
Além de quadrinhos, Walber trabalha com pinturas, ilustrações e retratos, sendo especialista em técnicas como aquarela e pastel. Vamos bater um papo com este Maranguapense sobre sua arte e suas raízes.
A sua arte é clássica e de nível internacional, mas sempre senti o Ceará muito presente nela. O que você traz de Maranguape, cidade que nasceu, e de Paramoti, de onde tem raízes, para suas linhas e suas cores?
Embora tenha crescido devorando quadrinhos Disney e de super-heróis, as coisas do sertão ficaram entranhadas nos olhos. Os garranchos secos e retorcidos das paisagens da minha Paramoti para mim eram desenhos maravilhosos. Não tive como escapar das hachuras rebuscadas e dos temas sofridos. Daí, acho, vem minha predileção pelo desenho realista.
Como as histórias em quadrinhos entraram na sua vida?
As primeironas mesmo foram as do Maurício de Sousa no início dos anos 70 com as quais praticamente aprendi a ler, seguidas pelas maravilhosas aventuras Disney. Como não tinha uma compleição física muito apropriada para as brincadeiras na rua junto com o resto da turma, a leitura passou a ocupar lugar de destaque na minha rotina e, consequentemente, o interesse pelo desenho, porque eu queria muito fazer aquelas revistas também. Comecei a fazer revistinhas com heróis da Marvel e depois com meus próprios personagens.
Como você descobriu a Oficina de Quadrinhos da UFC e como foi a sua experiência neste projeto?
Já na faculdade, uma amiga me apresentou ao Fernando Lima que me falou do projeto de extensão. Lembro que tinha umas poucas páginas prontas para mostrar (de um tipo de vigilante urbano) feitas com hidrográficas e muitos, mas muitos remendos e colagens. Para minha surpresa o professor Geraldo Jesuíno gostou daquela “bagunça”. Lá fiz as melhores descobertas sobre a nona arte: materiais, técnicas, papeis, estilos, recursos… Para se ter uma noção, nunca tinha ouvido falar de Flávio Colin ou de Moebius nem de papel Schoeller. Foram tempos fantásticos, quebra de paradigmas e, principalmente, muitos bons e verdadeiros amigos.
A Oficina gerou publicações importantíssimas para a história do quadrinho cearense. Especialmente a PIUM, Carbono 14 e o histórico (e raro) álbum Moreira Campos em Quadrinhos. Você participou de todos esses projetos?
Cheguei um pouco depois da segunda (e última) Carbono e só estreei pra valer na PIUM nº 7 com uma história meio sem pé nem cabeça de um monge em busca da verdade ou algo do tipo. Daí repeti o privilégio em quase todas as edições seguintes, com HQs e matérias, inclusive fazendo as capas de algumas delas. A ordem era ousar e experimentar. Em pouco tempo eu já estava na monitoria do curso. Mas a cereja do bolo foi mesmo “Moreira Campos”. Era a hora de crescer. Lembro de ter desenhado mais de uma, duas, três vezes um mesmo quadro e até uma mesma página, testando texturas, alinhando a narrativa. Aquele projeto me fez um bem danado: descobrir que quadrinho poderia ser levado à sério.
A revista Heavy Metal é uma versão americana consagrada da clássica francesa Metal Hurlant. Nos anos 90 foi publicada em nosso país a Brazilian Heavy Metal e você publicou nela! Conte-nos a respeito.
Por esse tempo eu já colecionava muita coisa e tinha descoberto o Silvio Amarante da Revistas & Cia. com aquele acervo monstruoso. Foi quando ele viu alguns desenhos meus e disse que o Carlos Mann da COMIX estava tocando um projeto para a Heavy Metal com quadrinhistas nacionais. Mal terminou de fazer o convite e eu já tinha aceitado. Fiquei incumbido de fazer uma ilustração da “Donzela Teodora”, figura mítica presente na cultura dos cantadores e repentistas do sertão. Foi a primeira grana que ganhei com arte. Mas o mais importante foi estar em uma publicação ao lado de artistas da estirpe de Mozart Couto, Shimamoto, Mutarelli e o imortal Colin dentre tantos outros.
Sempre achei a sua arte de nível internacional. Você tem uma qualidade incrível e poderia facilmente ser publicado em mercados grandes como os EUA e a Europa. Como o mercado de quadrinhos no Brasil praticamente inexistia nos anos 90, você não pensou em tentar romper e conquistar essas fronteiras?
A imaturidade da gente é uma coisa complicada. Naquele tempo eu tinha a visão de que só existia o mercado americano como possibilidade, muito embora eu tivesse tido o contato (e o deslumbre) do quadrinho europeu, mas – cá pra nós – se o mercado americano era praticamente inalcançável, imagine o europeu. Por outro lado, eu sempre fui o meu pior crítico, o que deve ter me poupado de um bocado de vexames.
Um dos pontos altos da história do Manicomics foi a sua participação com a história Agonia. O que te fez topar o convite de três garotos fãs do seu trabalho? Aproveito para registrar aqui a minha gratidão.
Três garotos coisa nenhuma. Vocês eram os caras que estavam andando com as próprias pernas, fazendo um trabalho que eu sempre entendi como o legítimo fruto e objetivo da Oficina: sonhos! Isto me fez topar o convite.
O Agonia foi criado para o Manicomics e era um tipo de “vampiro às avessas” que absorvia dor e sofrimento e retornava cura para as pessoas. Fiquei muito triste com o fim do Manicomics. (Muito. Triste. Mesmo. Entenderam?)
Depois dos anos 90 houve um hiato na sua produção ou você nunca parou? Fale-nos sobre o projeto Armagem?
Trabalho, família, outros afazeres e um certo desapontamento com algumas portas que se fecharam me fizeram parar mesmo. Uma dessas portas fechadas foi o fim da Oficina. Até que os dinossauros se reencontraram e inventaram o “Armagem Herética” (tinha esse nome por conta do título de uma HQ do Silas Rodrigues, e depois passou a se chamar apenas ARMAGEM). Queríamos fazer histórias em quadrinhos. Não importava de que forma. O Fernando (sempre ele) nos instigou a enveredar pelos espaços virtuais o que era, em muitos aspectos, até mais prático do que fazer HQ impressas, o que me permitiu desenterrar vários projetos antigos como “O Homem Morto”, “Loja de Rostos” e até as tirinhas do “Juberval, o policial!”. Além disso fizemos algumas parcerias com o Silas em histórias curtas e com o JJ Marreiro em seu inoxidável “Beto Foguete”. Temos planos para uma edição impressa compilando parte do material do site.
Em 2016 nós voltamos a trabalhar juntos, desta vez no projeto da Fundação Demócrito Rocha chamado HQ Ceará. Nele, você trabalhou como professor e quadrinista, publicando uma bela história na Antologia HQ. Como foi essa experiência para você?
Você me pegou de surpresa com aquele projeto. Trabalhar com tantas pessoas foi de fato desafiador e recompensador. O mais difícil foi estar em diversas “frentes” ao mesmo tempo: instrutoria, vídeo aula, produção, enfim, foi como estar em uma superprodução “hollywoodiana”. Fiquei muito feliz com as indicações ao HQ Mix 2017, o que premia a boa vontade e a paciência do Raymundo Neto (e a sua também!) com toda a condução do projeto. Todo mundo também está de parabéns. Estou na torcida por mais desafios como aquele.
Como disse na apresentação, você é um artista completo: escreve, desenha, pinta e ilustra. Um quadrinista de mão cheia e um artista plástico. Para você, essas linguagens dialogam? Como você transita entre elas?
A arte é um todo. Você não pode ser um artista se não houver música no teu desenho, ou se não houver poesia na tua escultura. Fazer quadrinhos requer, no mínimo, conhecimento básico de roteiro, desenho, pintura, ritmo… mas não apenas conhecimento, mas vivência. Minha percepção mudou bastante quando comecei a dedicar tempo ao Pastel e à Aquarela, por exemplo. Requadros são pensados como se fossem fotografias, páginas como mosaico, histórias como filmes, e assim tudo contribui para o todo, de alguma forma. Vejo muito disso, por exemplo, na obra de Sergio Toppi que conseguia fazer narrativa gráfica e ilustração parecer uma só coisa.
Na minha opinião, a regionalidade é o que dá unidade e universalidade a todo espectro do seu trabalho. Você concorda? Como a sua relação com a sua terra influencia a sua arte?
Eu não tenho medo de afirmar que muito disso se deve à influência do que vivenciei na Oficina de Quadrinhos. O apego às raízes sempre esteve em mim, mas descobrir o quadrinho nacional e, mais especificamente, o regional foi libertador. E aqui faço questão de honrar o professor Geraldo Jesuíno. Duvido você não mudar sua forma de fazer uma HQ depois de ouvi-lo contar uma história. Depois disso, “voltar à sua terra” fica bem mais fácil.
Você é formado em Administração de Empresas. Esta formação te ajudou como artista de alguma forma? Como administração envolve planejamento, fale-nos dos seus planos para o futuro. Quais são seus próximos projetos?
Confesso que não tinha pensado nesses termos, mas agora parece fazer sentido, sim. Sou metódico ao extremo. Tudo tem que estar em seu lugar antes de eu começar a fazer qualquer coisa. Talvez por isso acabe produzindo pouco.
Tenho um projeto ambicioso, de um roteiro que deve ter no mínimo uns 15 anos, e que só agora acredito ter reunido condições para fazê-lo (como disse, sou meu pior crítico). Além disso, tem o ARMAGEM que é como se fosse uma continuação das manhãs de sábado na Oficina. São muitas histórias por contar.
SERVIÇO
Celular: (85) 99110.50.50
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