Resenha DB: Alita – Anjo de Combate

fevereiro 14, 2019


Os anos de 1980 foram o berço do cyberpunk. Obras como Akira (1982 – quadrinho, 1989 – filme), Neuromancer (1984), Cyberpunk 2013 (RPG – 1988), Ghost in The Shell (1989 – quadrinho, 1995 – filme), dentre outras, ajudaram a definir o gênero, o qual é marcado por uma sociedade com péssima qualidade de vida, mas alta tecnologia, e regrada por governos formados por gigantescas megacorporações e presença constante de fundamentalismo e extremismo religioso. Nesse cenários, os párias e outlaws são os grandes heróis, caracterizados por rebeldes de desejos pessoais, que acabam entrando em conflito com interesses de governantes e outros grupos privilegiados. É (quase) certo dizer que, de todos os subgêneros do sci-fi, o cyberpunk foi um dos que melhor criaram simulacros à nossa contemporaneidade.

Dentre as mais destacadas obras, Battle Angel Alita (Gunnm 銃夢, Japão, 1990) marca quase o fim do período áureo do gênero, sendo o mais celebrado trabalho do mangaká Yukito Kishiro. O quadrinho se destaca de seus contemporâneos pela infantilidade e inocência da personagem principal, com seus conflitos adolescentes bem marcados e exponencializados por sua existência incerta e adaptação a um mundo hostil e “enferrujado”, procurando manter suas paixões e natureza bondosa intactos, enquanto a violência e os tons “cinzas” do local em que está a confrontam, bem como as incertezas sobre seu passado, esquecido depois de ter sido reativada pelo Dr. Ido, seu “pai” e mentor.

Sobre muitos pontos de vista, o mangá de Alita (republicado no Brasil pela Editora JBC em 4 volumes) tem características bem datadas, mas seus temas são atraentes – o quão humano alguém pode ser se seu corpo é quase todo máquina? – e sua personagem principal bem envolvente, o que garante uma leitura rápida e dinâmica, ainda mais pelo traço ágil de Kishiro, que monta cenas de ação cinematográficas e impactantes, mas bem alinhadas a sua trama que se desenrola sob muitos pontos de vista (e páginas) que seriam um grande desafio a qualquer adaptação.

Anos atrás os direitos do filme ficaram com James Cameron, fã confesso dos trabalhos japoneses. Como decidira direcionar suas energias a seu épico Avatar, a cadeira da direção ficou vazia, tendo, inclusive, Guillermo Del Toro como um dos candidatos a ela. Por fim, ficou para Robert Rodriguez (A Balada do Pistoleiro, Sin City) dirigir o longa, cujo roteiro foi feito por Laeta Kalogridis (Ilha do Medo, Alexandre, Altered Carbon) sob bases de Cameron, e produção de Jon Landau (Titanic).

Alita: Anjo de Combate (2019) tem as “bênçãos visuais de Cameron”: a “Cidade da Sucata” (Iron City) e o imaginativo universo existe e transpira como um verdadeiro personagem (tal qual a Pandora de Avatar) – texturas, luzes e cores são deleites visuais imersivos (amplificados no IMAX) e um dos mais acurados trabalhos da WETA Digital. Os corpos cibernéticos também são bastante realistas e mesmo a estranha aparência das feições de Alita tornam-se críveis e humanas, apesar do exagero cartunesco nos relembrar que essa realidade é bem mais distante, mesmo preservando a interpretação de Rosa Salazar.

Há uma preocupação patente em honrar o mangá – apesar de BAA ter adaptações para anime e games cujas soluções argumentativas e narrativas também estão no filme – a versão hollywoodiana se esforça em manter o máximo possível do gibi original, o que pode explicar a escolha de Rodriguez pra direção (sua versão de Sin City é considerada um caso de tradução entre-mídias quase perfeito) – ele replica falas e mesmo cenas do gibi, apoiando-se na ideia de Cameron de adaptar os primeiros dois volumes do mangá (Volume 1 da JBC) com elementos dos outros (como o Motorball – o que facilitaria na produção de uma trilogia), chegando a usar os fantasiosos nomes de lutas, golpes e tecnologias sem nenhuma vergonha ou pudor, e mantendo a dinâmica da relação entre os personagens: com um seguro destaque à dupla Alita e Ido (Christoph Waltz), de longe a melhor dupla do filme.

No entanto, boa parte dessa necessidade de fidelidade é também o calcanhar de Aquiles da obra. As subtramas se entrelaçam numa velocidade incômoda, dando pouco tempo de importância a personagens-chaves que poderiam ser melhor explorados em (prováveis) sequências. Hugo (Keean Johnson), um dos mais complexos e atraentes personagens da HQ, talvez foi o que mais sofreu na adaptação com sua história e motivações reduzidas a tal ponto que, não estivesse sua presença fortemente ligada à jornada de Alita, seu final teria tido um impacto menor.

Falando em construção de personagens, Rodriguez, cuja experiência com coloridas aventuras infantis, como Pequenos Espiões e Sharkboy and LavaGirl, encontra seu ambiente natural aqui, dando espaço para Rosa Salazar entregar uma Alita no extremo de sua adolescência, com paixões exageradas (e estereotipadas) que talvez garantam uma boa identificação e interação com o público, e sustentam a personalidade tempestuosa e rebelde da versão original, e cenas de luta bem coreografadas e dinâmicas – nos levando a crer, em dados momentos, que estamos assistindo um tokusatsu anabolizado (o que é um seguro elogio, vindo deste articulista).

No fim, Alita: Anjo de Combate talvez seja a melhor adaptação de um mangá de ação já feito por Hollywood, apesar de ainda não ser a melhor adaptação ocidental de um mangá, mas nos mostra que, aos poucos, talvez cheguemos lá.

– Texto de Luís Carlos Sousa

*Curiosidades: Dark Angel, série criada por James Cameron que revelou a atriz Jessica Alba, foi fortemente influenciado por Alita.

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

Qual a Sua Comunidade?

novembro 21, 2018


Trabalhar sobre a prancheta ou em frente à tela pode ser muito solitário. Passa-se horas sem muitas companhias além da própria criatividade e, principalmente, usando intensivamente as técnicas. Apesar de ser um processo prazeroso, ele acaba por criar um ambiente muito individual – quase levando a uma “desconexão” entre o artista e o mundo à sua volta.

Dar um tempo para dedicar-se à produção é bom e necessário, mas a arte só tem a ganhar quando adicionamos mais mentes que trabalham de forma consoante conosco. Grandes produções hollywoodianas são um imenso trabalho em grupo e todos – quando bem alinhados – sempre enriquecem o produto final. Sofia Coppola é uma diretora estadunidense que não se sente boa em nada, mas procura se cercar de bons profissionais que podem ajudá-la a dar forma às suas ideias. Nos quadrinhos, por mais que existam muitos exemplos de premiados artistas que fazem todo o processo, uma parte se sente muito à vontade – e até preferem – trabalhar em duplas ou grupos. Os irmãos Cafaggi e a dupla Bá-Moon são bons exemplos de parcerias bem sucedidas.

Somos seres sociais e, com isso, precisamos estar e ter com outros. É necessário sim momentos consigo, mas faz parte de nosso amadurecimento – como artistas e pessoas – aprender, trabalhar e criar em grupo. Então, faça parte de uma comunidade, comece uma parceria e cruze seu caminho com aqueles que podem adicionar algo a seu trabalho, somando o seu mesmo ao deles também.

Texto de Luís Carlos Sousa

Publicado por Daniel Brandão

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E se só existisse o hoje?

novembro 14, 2018


E se só existisse o hoje? Por mais apocalíptica que pareça a pergunta, na verdade, ela traz algumas pequenas coisas a se pensar.

Há um certo ponto de nossas jornadas como artistas que pensamos bastante nas oportunidades que perdemos, nas falhas que cometemos, nos passos que não demos, no tempo que não aproveitamos. Quase no mesmo instante, olhamos para o incerto futuro e nos questionamos se tudo que ainda vai vir será suficiente ou mesmo se estamos preparados – ou se somos dignos de tudo o que o desconhecido amanhã tem para nós.

Quanta coisa, não? Agora, uma sugestão: pare por um momento. Olhe a sua volta. Veja tudo o que você tem hoje. Aproveite as capacidades que você possui agora e use-as. O passado não está mais com você, ele te forjou como pode, mas é preciso deixar ele ir. Abandone-o sem culpa, sendo grata por tudo o que ele te ensinou. O futuro, por sua vez, é só uma variável, uma ideia, uma expectativa. Se nos concentrarmos muito nele, nos frustraremos perdendo horas construindo castelos de areia.

Então, abrace seu hoje. Ele é seu verdadeiro tempo. Ele é a conclusão de sua própria caminhada e o início de sua jornada. Não há melhor lugar para se estar.

Texto de Luís Carlos Sousa

Publicado por Daniel Brandão

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Carreira, Prazer e Estudo

novembro 07, 2018


Como continuar amando nossa arte e produção quando ela se torna um trabalho, o qual envolve todas as dificuldades que a nova natureza da função exige, como prazo, diminuição da liberdade criativa, limitação de materiais etc?

Trabalhar com arte pode ser interpretado como o equilíbrio de três visões: Carreira, Prazer e Estudo.

Quando se pensa em arte como carreira é preciso ter a consciência profissional do ofício e, para tal, além de maturidade, é importante manter certa disciplina: controle de seus horários, demonstrar uma postura cordial e respeitosa, mas também firme e objetiva, deixando claro o que você pode ou não fazer, dentro dos limites que seu corpo e envolvimento podem disponibilizar. Seguir esses direcionamentos contribuem para não se exceder no trabalho, acumulando menos ou mais funções que podem levar a frustração ou esgotamento, e ajudam na construção de uma carreira sólida.

Quando a arte é associada a seu prazer – e, sim, é importante dedicar um tempo a isso também – você se coloca num processo de busca do equilíbrio consigo mesmo, dando a chance a si de relembrar porque a arte te seduziu desde o primeiro momento, porque você decidiu adotá-la como uma linguagem que liga suas “verdades interiores” com o mundo. Assim você não precisa se cobrar ou se por em amarras, entrando em um senso de liberdade e leveza comum às crianças: você produz sem vergonhas, sem questionamentos, só pelo prazer de estar fazendo aquilo. É uma experiência muito recompensadora e que deve ser repetida com uma frequência justa ao seu tempo e atividades.

Por fim, a arte como estudo talvez seja a base de todas essas outras personas descritas. Estudar o que você faz é uma forma de aprimorar tudo o que você já sabe e sempre se oferecer uma chance de crescer, como artista e profissional. O estudo é uma medida ao desafio, pois ele amplia nossa visão de mundo, nos revela saídas, percepções e estruturas novas e/ou inesperadas. Faz com que nunca estejamos “concluídos” – pelo contrário, utilizar a “cadeira do estudante” é um exercício de humildade e um seguro estimulante para se querer produzir sempre.

Então, caro artista, cuide de sua carreira, mas não esqueça de ter prazer pelo que você faz e aprender sempre.

Texto de Luís Carlos Sousa

Publicado por Daniel Brandão

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O Olhar do Desenhista

outubro 31, 2018


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Quando você precisa de referências para desenhar, pra onde você vai? Hoje a internet nos permite uma infinidade de opções: deviantartpinterest, o próprio Instagram. Mas, você tem feito desenhos de observação? Desenhar usando ferramentas digitais é muito bom e prático – principalmente por conta do tempo que se ganha -, mas nada substitui a interpretação do desenho através do próprio olhar do desenhista.

Tomar uma referência através de uma foto – do próprio desenhista ou de outro – é captar o instante da “lente”, um momento fixo imutável (ou imortalizado) pelo olhar filtrado do fotógrafo. Apesar de ser algo interessante sim ao desenhista, quando este aplica seu próprio olhar sem as “camadas” do maquinário fotográfico, ou dos pixels, bits e bytes eletrônicos, ele está dando uma impressão direta da realidade através de seu próprio olhar, dessa vez num instante identitário do artista – impossível de ser apreendido novamente, mesmo que aquele momento venha a ser replicado.

Além disso, o desenho de observação é importante para a prática do desenho em si. Ele treina a maneira do desenhista em perceber o real e reinterpretá-lo em suas linhas e traços. Além de manter o contato do desenhista por uma prática mais livre, descompromissada e instintiva, tomando sempre o cuidado no olhar.

Aproveite seu tempo livre… e mãos à obra!

Alex Coi tem um canal no YouTube e nesse vídeo ele tanto fala sobre desenho de observação quanto mostra seus sketchbooks. Confiram no play!

Publicado por Daniel Brandão

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