História, Arte e Resistência

abril 24, 2019


Quando a Segunda Guerra Mundial estourou, Will Eisner já era um profissional de quadrinhos. Ele se alistou no exército, adaptando manuais militares para montagem e limpeza de armas, primeiros socorros e práticas de sobrevivência para oficiais de campo. Nesse trabalho, ele unia sua técnica de quadrinhos à linguagem instrutiva dos manuais, tornando-os mais fáceis de compreender e fazendo a diferença aos soldados à frente de batalha. Há um emocionante caso de um combatente que perdera um membro em guerra e, anos após o fim do conflito, este foi a uma convenção agradecer ao cartunista por seus manuais terem salvo sua vida. Importante lembrar que, apesar de americano, Eisner era judeu e fazer alguma diferença durante a guerra lhe motivava.

Quando os quadrinhos underground estavam em sua época mais efervescente, entre tantas vozes de outsiders falando sobre política e sociedade, uma artista em especial se destacava: Trina Robbins. Quadrinista, historiadora, jornalista, editora independente, feminista e ativista social, sendo responsável pelo considerado primeiro quadrinho com uma equipe inteiramente feminina: It Ain’t Me Babe Comix (e não o único na carreira da artista). Conhecida como a primeira mulher a desenhar a Mulher Maravilha, seu trabalho envolvia dar voz e espaço às mulheres artistas, falando sobre sexualidade, vivências, diferenças trabalhistas, aborto entre outros assuntos, muitas vezes sendo incisiva e direta com relação a assuntos vistos como “naturais” dentro de seu meio de atuação, como misoginia e machismo. Uma passagem em especial da vida de Robbins diz muito sobre seu lugar e voz como artista: quando o movimento dos Pantera Negras foi criminalizado e Angela Davis, uma das mais resistentes vozes do ativismo pelos direitos dos afro-americanos e do feminismo, foi perseguida, Trina confeccionou um pôster com a caricatura de Davis e a frase “Sister, You Are Welcome in This House” (irmã, você é bem-vinda nesta casa – em tradução livre), o qual foi afixado na casa de muitas mulheres que estavam prontas para dar refúgio à ativista.

Jackie Ormes é considerada a primeira cartunista afro-americana. Ela viveu de 1911 a 1985 e teve duas tiras de extremo sucesso: Torchy Brown e Patty-Jo ‘n’ Ginger. Ela viveu a efervescência do movimento de resistência afro-americano e suas tiras possuíam uma forte crítica social, de gênero e raça, mas recheadas com um humor envolvente e inteligente. Uma de suas grandes vitórias foi conseguir com que sua personagem Patty-Jo se tornasse uma boneca para crianças, obtendo enorme sucesso no Natal em que foi lançada, mas sendo descontinuada no ano seguinte. Hoje, a boneca é um valioso item de colecionador.

A arte é uma poderosa voz de resistência. Através da arte, faz-se história e inspira-se as novas gerações. Quando os monarcas de tempos sombrios ascendem, os artistas podem ser a voz do povo e levar gritos emudecidos a lugares que onde eles podem não somente ser ouvidos, mas replicados.

Façamos boa arte.

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

Mudança, Movimento e Arte

março 27, 2019


Uma das maiores certezas do ser humano é a mudança. Indo muito além dos aspectos físicos, passamos por mudanças por toda nossa vida: endereço, trabalho, amigos e mesmo familiares. Pessoas e situações vêm e vão, aproximando-se e distanciando-se de nossas rotinas, influenciando nosso pensar, agir e perceber. A própria evolução humana, em seu caráter biológico e social, é baseada em adaptar-se às mudanças ocorridas em nossa espécie e em nosso planeta – este, por sua vez, uma enorme “nave” em constante adaptação no oceano do universo.

No entanto, quando passam nossos dias e nos encontramos em situações confortáveis, agradáveis e seguras, a mudança nos surge como algo inesperado: um risco incerto que ameaça o status quo de nosso momento – com isso, surge o receio e a dúvida. Recebemos a mudança com desgosto, desagrado ou mesmo fúria e impaciência. Mudar nos assusta. Como lidar com isso, então?

É importante perceber que mudar nada mais é que movimentar-se: sair do lugar que estamos e ir para outro. O planeta está em constante movimento e se não nos alinharmos a isso, o movimento deste nos assalta, nos surpreende. Assim, é importante encontrar os próprios passos de mudança – “descobrir sua órbita” é uma forma de aceitar a mudança como algo não somente necessário, mas benéfico, que nos motiva a descobrir/despertar/reconhecer o tempo/lugar/pessoas em que estamos ou nos tornamos.

Como artistas, mudança e adaptação são constantes. O tempo todo o artista está revendo suas ideias, repensando sua própria existência para praticar uma arte nova, para “caminhar” em sua produção. O artista inconstante procura novas ferramentas, testa novas técnicas, redescobre habilidades, experimenta e prova. O artista planejador prevê os passos, estuda as possibilidades, avalia o mercado, traça planos e adapta a si próprio ou mesmo o ambiente a seu redor para tornar seu processo de mudança seguro e agradável. Isso sem falar na mudança de estilo, traço, identidade que ocorre na arte quando os artistas avançam em suas idades e aprendizados.

Mudar é intrínseco ao que somos. Faz parte de nós enquanto seres vivos. É impossível controlar ou parar isso, mas é sempre há a possibilidade de embarcar nessa jornada com o prazer de um eterno estudante, entendendo cada mudança como um processo de aprendizado e equilibrando a si próprio e ao mundo.

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

A Desconstrução do Ser Artístico

março 20, 2019


O princípio do desenho na nossa infância começa como uma espécie de reconhecimento do nosso mundo e de tudo que nos rodeia.

A medida que a gente vai crescendo, começamos a aprender todas as noções críticas que o mundo ao redor impõe. Com com elas, somos podados e moldados para uma cobrança a respeito do que é tido como “desenhar bem”. Gera-se uma necessidade de fazer algo que se assimila mais ao real, que tem relevância atribuída à ordem da mimese.

Eu sinto que depois de certo ponto da vida sempre tentando retratar tudo com fidelidade nos desenhos, minha produção acabou caindo pra certos vícios. Alguns padrões eram fortemente mantidos na grande maioria dos meus trabalhos, padrões que mais me limitavam do que motivavam, o que acabou me desestimulando e gerando fases longas de bloqueio criativo.

Foi a partir desse ponto que eu precisei achar um meio de explorar possibilidades que até então eu evitava ao extremo, por acreditar que “não combinava com o que eu fazia”. Foi um processo de desconstrução do que eu produzia até então, e a partir daí eu comecei a procurar cada vez mais pelos extremos opostos. O que eu fazia era tentar entender artistas que produziam trabalhos lindos, mas que eram completamente diferentes do que eu costumava fazer. Experimentavam cores, anatomias e composições que eu achava exageradas ou ousadas demais pro que eu costumava fazer, mas que ficavam extremamente interessantes nos trabalhos deles. Acho que dentro dessa exploração, ao sair da zona de vícios, eu acabei encontrando uma forma de agregar mais pluralidade ao meu traço.

Eu não fiz uma transição completa, até porque a gente sempre vai estar em transição. Entretanto, entendendo esses artistas tão diferentes de mim, eu consegui agregar detalhes, composições e ideias que, unidas a bagagem que eu já havia criado, puderam imprimir uma identidade no traço que ainda parecia comigo, mas diferente de tudo que eu já tinha feito.

Eu percebi aí a importância de aprender a se reconhecer e reinventar, e entendi que mudanças, por mais que estranhadas ao início, são necessárias para continuar evoluindo.

Texto de Camila Sombra

Publicado por Daniel Brandão

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Giro Cosmogônico da Arte

março 13, 2019


É necessário que vivamos em sociedade. Assim como os corpos celestes, por mais distantes que estejamos uns dos outros, nossas “gravidades” influenciam nas órbitas dos semelhantes e nós também somos influenciados por estas. O giro cosmogônico de cada um está (também) relacionado ao movimento de outros, numa dança universal que nos atrai e repele, nos finda e recomeça, buscando um equilíbrio que, não raro, vai além de nossa própria temporalidade, avançando para além de nossas existências.

No entanto, nosso instante é curto, por mais único que (também) seja. Ter toda a compreensão e clareza dessa existência macro costuma ser demais pra nós. São tantas questões e pontos de vista e variáveis que levaria mais de uma vida para simplesmente quantificar tudo isso antes de sequer analisar.

Como então viver sem essa clareza? O que fazer para estar melhor alinhado com todos esses elementos que são maiores que nós mesmos?

Nos conhecendo” seria uma boa primeira resposta. Sabendo quem somos, o que queremos, aceitando nossos sentimentos e procurando compreender porque eles são como são e porque reagimos como reagimos. Retomar um diálogo com nosso interior, não fugindo ou abandonando nossas questões, mas sendo empáticos conosco, compreensivos a ponto de podermos nos perdoar e nos guiar para um momento mais maduro e de melhor comunhão com o lugar e pessoas que vivemos.

E a arte é magnífica pra isso.

Quando desenhamos, pintamos, cantamos, escrevemos etc. entramos em comunhão com nossos instintos, em consonância com nossa intuição. Damos voz a coisas que vêm de dentro, pois há muito de técnico na arte, mas sua principal manifestação e a base de sua existência é a subjetividade: esse alinhamento com aquilo que nos faz indivíduos únicos.

Claramente isso não é algo de um dia ou um momento, mas de um processo longo, feito talvez durante toda nossa vida, pois estamos em constante modificação, e tendo a “ferramenta” da arte ao nosso lado podemos seguir por esse caminho não somente vivendo a busca por propósitos, mas encontrando prazer nessa jornada e influenciando e inspirando outros a fazerem o mesmo.

Texto de Luís Carlos Sousa

Publicado por Daniel Brandão

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Sobre Artes e Filhos

março 06, 2019


Muitas vezes, alguns autores – não raro, jovens – falam de suas obras como “filhos”, assumindo uma orgulhosa “paternidade” e, com isso, marcando (também) seus direitos “de posse” sobre suas criações. Parece estimulante pensar dessa forma (ou equivocado se principalmente nos concentrarmos no último tópico), mas é preciso ter cuidado ao assumir esse tipo de postura.

Filhos reais são humanos, possuem suas individualidades e sua própria história, apesar de boa parte daquilo que eles são – ou se tornam – vêm da influência de seus genitores e/ou responsáveis. A pretensão (idealizada ou não) ao ajudar no desenvolvimento de uma criança desde sua tenra idade é dar suporte para que esta desempenhe sua própria autonomia, encontre e/ou desenvolva seus próprios valores e avance para o futuro, moldando seu tempo como figura ativa dele.

Uma obra de arte, no entanto, funciona mais como um reflexo do tempo e dos pensamentos do autor, mantendo-se imutável durante todas as vezes em que é resgatada – sendo, por sua vez, reinterpretada ou “evocada” por cada nova geração -, do que como elemento autônomo, de vida própria, ou seja, é um recorte temporal sob o ponto de vista de uma única pessoa, podendo, conforme seus temas e qualidade de feitura, ter uma vida longa, às beiras da imortalidade humana.

Assim, por mais emotivo que seja chamar uma obra sua de “filho” é importante entender que a percepção de ambos é extremamente diferente, pois é necessário se reconhecer (mais cedo ou mais tarde) a liberdade e autonomia dos filhos, enquanto às obras é preciso sempre reconhecer a responsabilidade de sua produção, vendo o produto da arte como um reflexo (ao menos temporal) do autor e, por isso, sempre vinculado a este.

Publicado por Daniel Brandão

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