As histórias em nós

maio 29, 2019


Todos temos histórias em nós. O ser humano já nasce com a capacidade de encontrar histórias dentro e fora de si. A criança está pronta para contar como foi seu dia à mãe e ao pai que chegam tarde da noite em casa. Ela cambaleia, gesticula, gagueja, mas, ao fim, tem uma história em mãos, que pode entreter ou não seus espectadores. Escrever essa história, no entanto, mesmo aos adultos, é a grande complicação.

Quando se “conta” algo de forma falada, milhares de “ferramentas” contribuem para que aquela história chegue a um fim compreensível: o locutor gesticula, faz caretas, muda seu tom de voz, utiliza objetos ou pessoas próximas para interpretar metáforas. Os ouvintes, por sua vez, também contribuem para essa narrativa fazendo perguntas, melhorando comparações, dando o feedback imediato com sorrisos ou apatia, permitindo a mudança da maneira como aquilo está sendo contado no momento em que estão ouvindo. Claro, isso ainda não faz da atividade completamente fácil, mas a torna mais dinâmica, menos complicada e mais interativa, e assim, mais próxima de atingir seus objetivos.

O escritor, por sua vez, não possui tantas vantagens. Ele é o solitário cavaleiro tentando destruir moinhos de vento, procurando dar um direcionamento claro há milhões de vozes que o engrandecem e o atormentam mentalmente e rasgam com avidez as paredes de sua cabeça para enfim tomarem forma, tendo, dessa maneira, uma existência. A gestação desesperada de uma ideia começa antes do processo de escrita, mas é durante ele que se sente os enjoos e desajustes gerados por sua formação.

Um bom escritor vai tentar diminuir as dificuldades. Vai fazer pesquisas, ler outros livros, consumir diferentes mídias, vai conhecer pessoas novas e diferentes para compor seus personagens (dar caras a suas vozes), vai procurar se ver no outro e pensar como o outro para, finalmente, encontrar o seu próprio universo na estrutura física das palavras, ossos dos músculos de metáforas, pele e pelos das ideias. Mas isso não será o suficiente.

Outros entrarão nessa jornada: leitores-teste, amigos, revisores, diagramadores, editores. Todos trarão suas próprias ideias, seus próprios esclarecimentos e experiências para enriquecer aquela história, todos mostrarão as consequências do que é dito e não dito, serão aliados, mas também importantes antagonistas quando necessário, tudo para fazer aquela história ser melhor e maior. Mas isso também não será o suficiente.

Porque, no final das contas o que resta é o escritor e a brancura que receberá suas palavras, seja ela o papel ou a tela. Aquele vazio que precede o alfa.

Quando, então, as primeiras palavras começarem a ocupar aquele vácuo, a magia finalmente vai acontecer: presenças e vazios vão dando forma a uma nova vida que, por sua vez, vai se revelando de maneira consistente a cada virar de páginas e, assim, como a criança que conta uma história, ela cambaleia e treme, erra, mas logo é corrigida, refeita e melhorada. O processo se alonga, o escritor sua e chora, tomado pela efusividade de sentimentos daquela existência, mas chega ao seu fim e a história é liberta, deixando de ser parte do escritor e se tornando uma peça no imaginário social, o qual será inserido na mente do leitor em um detalhe específico e de uma forma única.

Uma vez essa “sarna” tendo encontrado seu rumo, é hora do escritor procurar outra e repetir todo o processo, porque escrever não é algo limitado, mas é um incômodo constante a ser entregue regularmente ao universo.

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

Os Mundos de Liz #314 – Por Daniel Brandão

maio 28, 2019


Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

Criando mundos, desenvolvendo histórias

maio 15, 2019


Uma das grandes razões de existir de uma história é a capacidade de nos levar a outros mundos, nos tirar de nossa muitas vezes tediosa realidade e nos colocar dentro de um universo único à parte do espaço, tempo e continuun em que estamos – mesmo que este realmente exista em outro canto do planeta ou seja mesmo o nosso, mas sob o ponto de vista particular de um artista. Criar um novo mundo é dar base a uma narrativa, entregando um conjunto de regras do que é possível acontecer ou não dentro dela. Enfim, é a “gravidade” (em termos de força física) de uma história, ou seja, a lei mais básica de sua existência, e que dá sustentação e segurança aos personagens nela inseridos e aos leitores e espectadores desta.

Importante perceber que criar um mundo vai muito além da simples feitura do cenário. Ele está muito mais próximo de uma ambientação psicossocial, dando ao leitor um conjunto de crenças, regras, posturas, estereótipos, culturas e limitações, do que uma simples reprise ou modificação de coisas reais. Um “universo” eficiente é visualmente explicado nos primeiros segundos de um filme ou nas primeiras 2 páginas de um impresso e compreendido com a mesma velocidade, e ainda é mentalmente marcante mesmo quando abandonamos a obra, bastando um ou dois elementos para nos remetermos imediatamente a ele. Bons exemplos para isso não faltam, desde Senhor dos Anéis, do diretor Peter Jackson, a Blade Runner, do diretor Ridley Scott, que também é responsável pelo filme Alien.

Logicamente, desde a mais simplória fantasia a mais longínqua região do espaço, passando pela massacrante realidade, antes de terem o formato e escopo final que recebemos nos cinemas ou impressos, os “novos mundos” tomam como base elementos reais, os quais são estudados e trabalhados e reincorporados a outros, indo de formas mais complexas a mais simples e vice-versa, mas que sempre definem não somente os locais, mas os seres de lá, como são, o que são, como vivem, o que pensam, suas histórias prévias e preparações para o futuro e como tudo isso coexiste e influencia suas formas de perceber o mundo e reinterpretá-lo. É patente a pesquisa que James Cameron fez para construir o mundo de Avatar, chegando a passar dias na selva amazônica e entre os índios, incorporando aquele mundo em sua fictícia Pandora.

Aí está a verdadeira magia de um mundo imaginado, ele costuma ser, de alguma forma, um simulacro do nosso, de nossa própria realidade e, por isso, de nós mesmos. Se o receptor (leitor, espectador, consumidor), mesmo afundado em efeitos especiais de máquinas gigantescas ou repleto por magia primordial, não reconhecer símbolos e elementos comuns a seu arcabouço (sejam eles simpáticos ou não ao seu gosto), haverá uma certa ojeriza à obra e uma alienização que pode ser perniciosa ao trabalho. Voltando ao exemplo de Cameron: Pandora, por mais imaginativa que fosse, era formada por folhas, montanhas, arbustos, animais alados e terrestres que se comportavam em estruturas semelhantes às nossas e os espectadores reconheciam e simpatizavam com aquilo porque ainda eram elementos que eles entendiam, mesmo que “cartunizados”, idealizados e fantasiados.

Criar mundos nada mais é que fazer a mais simples e importante regra da produção artística: tornar seu trabalho humano.

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

Tecnologia, Conectividade e Arte

maio 08, 2019


Há um tempo a humanidade tem buscado e vivido a conectividade: uma forma interessante de ultrapassar barreiras e manter todos ligados, o tempo todo e em qualquer lugar. Longe de ser uma ideia ruim, seu fascínio – ou dos objetos que permitem que tal coisa ocorra – muitas vezes pode ser mais importante do que seu real fim: construir um vínculo com alguém ou descobrir uma visão mais ampla do mundo e a real significância de nós, seres humanos, nele. Assim, seguindo essa lógica, cria-se um efeito contrário ao esperado: ao invés das pessoas estarem mais próximas, estão fisicamente mais distantes, conectadas umas às outras por suas máquinas, mas desconectadas de suas relações mais íntimas. Assim o mundo acaba se tornando pequeno demais para ser alcançado, mas deveras grande para ser assimilado ou sentido.

Nesse ínterim, a simplicidade do trabalho artístico – no agradável carinho no apego ao produzir – nos leva a repensar essa situação, a encontrar, na importância das pequenas coisas, aquilo que nos torna parte do infinito universo: nos relembrar de nossa conectividade, reatar os que estão à nossa volta, relembrando das comunicações humanas físicas, presentes, imediatas.

Há um fascinante e importante trâmite em fazer arte: a capacidade de se viver (ou de viver e ver) além de nossos próprios olhos, fora das zonas seguras que estabelecemos, e estar junto de outros, atravessando experiências que nos edificam – indo além das telas de “conectividade” e encontrando aquilo que está diante de nossos olhos e ao contato de nossas mãos. A arte, afinal, é essa magnífica representação do real através do acurado olhar do artista.

Depois que eu me dediquei mesmo ao que eu amo, eu entendi que arte não tem nada de egoísmo, arte é compartilhamento, é felicidade espalhada. Todo dia eu recebo não sei quantas mensagens de pessoas dizendo que amam o que eu faço, que se sentem inspiradas. Isso é muito mágico. Essa é a minha maior motivação. E de qualquer forma, a vida é curta, e temos que fazer o que gostamos mesmo”. – Natália Matos, quadrinista e artista plástica.

Se é assim tão curta como diz Natália, então é preciso construir o tempo de compartilhar nossos sonhos uns com os outros lado a lado, além da conectividade do progresso, mas na eterna conectividade do abraço gerado pelas linhas, formas, cores e animações da arte.

Texto de Luís Carlos Sousa

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

A Arte como Produto Coletivo

maio 01, 2019


Quando pensamos na arte enquanto profissionais desta e nos dedicamos tal qual, o pagamento – o valor do suor e do estudo e do tempo gasto para isso – se torna uma necessidade natural. No entanto, muitas vezes a procura ou expectativa desse pagamento nos distancia do nosso objetivo em fazer arte.

É comum ver o artista como um ser solitário, preso num instante de inspiração, numa busca enorme pela obra: pelo produto – para que esse possa ser visto, reconhecido, respeitado e validado, por vezes, é medido por seu valor financeiro.

Mas arte é mais que isso. Arte pode ser algo completamente inestimável, porque arte não é (só) o resultado, mas a experiência de fazê-la. Mais que isso, é importante lembrar que quando a obra artística atinge outro ela deixa de ser uma experiência só do artista pra ser algo assimilado e reinterpretado pelo público, tornando-se, assim, algo coletivo.

Ora, e não pode ser ela uma obra coletiva desde sua concepção, passando por sua feitura até sua apreciação? Não poderia ser a arte, na verdade, não o produto de algo, mas a vivência de muitos, juntos por um objetivo em comum, trocando conhecimentos, culturas, pensamentos e ideias para criar algo que é um amálgama de tudo isso e será apreciado por outros, mas que, principalmente, os uniu ali?

Nesses tempos em que vozes podem ser silenciadas, pessoas invisibilizadas, guilhotinas afiadas, acreditamos que poderia a arte ser mais que um produto a ser apreciado na sala como identificação de um status econômico, mas a aproximação de várias vozes, mentes e sentimentos vivendo a experiência de se conectar e compartilhar suas vidas umas com as outras e com o mundo. A arte pode ser mais que apreciação, ela pode ser reconhecimento e familiariadade, comunicação, humildade, compaixão e fraternidade.

O produto da arte é perecível. Ele pode ser destruído pelo tempo, consumido pelo fogo, levado pelo vento, inundado pelas chuvas – mas a experiência de sua concepção é eterna, é profunda, é universal e humana, porque a arte serve aos sentimentos e ao reconhecimento de nós mesmos e dos outros.

Assim, repetindo as palavras de Neil Gaiman e que nos serve de mote em muitas situações: (Hoje, mais do que nunca) Façamos boa arte (juntos).

– Texto de Luís Carlos Sousa. Tema proposto por Blenda Furtado. Inspirado no vídeo de Nora Atkinson

Publicado por Daniel Brandão

O Estúdio Daniel Brandão produz quadrinhos, ilustrações, criações de personagens e mascotes. Aqui também são oferecidos cursos de Desenho, HQ, Desenho Avançado e Mangá, além de aulas particulares.

Inscreva-se para receber atualizações no seu e-mail

Estúdio Daniel Brandão

Av. Santos Dumont, 3131A, sala 817, Torre Comercial do Del Paseo, Aldeota.
Fortaleza – CE . CEP: 60150 - 162
Fixo: (85) 3264.0051 | Celular (WhatsApp): (85) 99277.9244
estudiodanielbrandao@gmail.com

Estúdio Daniel Brandão • todos os direitos reservados © 2024 • powered by WordPress • Desenvolvido por Iunique Studio