Olá, pessoal, tudo bem?
Eu me chamo Luís Carlos Sousa, sou professor de roteiro de quadrinhos do Estúdio Daniel Brandão e web-editor do site Cultura de Quadrinhos. Já há algum tempo eu tenho me programado para produzir meu próprio portfolio de roteiros, nada mais que um quadrinho com diferentes roteiros meus com outros artistas. Ele se chamará IDENTIDADES e minha pretensão é tê-lo pronto para o Dia do Quadrinho Nacional de 2015.
A inspiração para esse trabalho veio de um outro, Atelier, dos irmãos Bá-Moon, um pequeno livrinho onde os dois artistas apresentam num tom bem onírico e expressionista seus desenhos, estilo de narrativa e um pouco sobre si mesmos. Além disso, eles também apresentavam uma ideia que muito me agrada: é preciso não somente contar as histórias, mas também vivê-las. Apesar de não ser minha pretensão fazer algo exatamente igual, o material deles me trouxe uma ideia do que eu gostaria e queria fazer: algo que misturasse tanto o artístico, quanto o mercadológico, quanto o pessoal. Uma vez com o rumo tomado, hora de seguir pras histórias que estariam no livro.
Numa noite (meio que regada a alguns goles de álcool, certa sinceridade e muito consaço), Daniel me veio com a proposta de desenhar uma história minha, contanto que eu não estabelecesse prazo de entrega e que esta tivesse até 5 páginas. Daniel é um artista bem requisitado, encontrar um espaço em sua agenda para o trabalho de um amigo é algo um tanto complicado, por isso agarrei a oportunidade imediamente, dizendo que já tinha um roteiro pronto e que mandaria pra ele após o final de semana.
Mentira. O que tinha era uma "proto-história", alguma coisa sobre "ver histórias em todos os cantos". No entanto, eu acredito que o único jeito de se "escrever é escrevendo" e… bem, se eu já tinha a quantidade de páginas e o "mote", bastava começar as primeiras linhas. Depois de uns dias eu tinha o roteiro final, que enviei ao Daniel com uma grande quantidade de referências. O resultado vocês podem ler aqui:
Os que conferiram o quadrinho puderam ver que algumas modificações foram feitas. Particularmente eu gosto muito delas porque preservam algo em que acredito bastante: um quadrinho (dividido) é feito por todas as pessoas que o fazem, não somente uma. Assim, minha história, quando chegou nas mãos do Daniel, foi injetada de uma parte de sua própria criatividade, conjunto de referências e visão de mundo. A primeira grande mudança, por sinal, foi a troca do personagem principal (inicialmente um "sem nome") pelo Sebastião de Brandão. Apesar de parecer uma mudança boba ela foi bem relevante: Sebastião é um personagem com suas próprias características e posturas, com seu jeito de pensar muito único. Dessa forma, o final do quadrinho foi alterado em alguns detalhes para que não transgredisse a lógica de pensar do (novo) protagonista. Em meio ao seu próprio bom senso, Daniel foi mais além, ele fez isso sem perder o significado original da história que contempla o tempo próprio de viver as histórias e o tempo próprio de se retirar delas para, enfim, tornar-se seu narrador. Uma sacada que poucos fariam tão bem.
Outro relevante detalhe é a "torrente de histórias", um tipo de universo pessoal onde Sebastião "vê" as histórias dos outros. Quando escrevi, minha ideia era criar simulacros fantásticos das cenas que Sebastião via, com pessoas normais sendo piratas, cangaceiros, viajantes etc., no entanto, não quis impor isso ao artista e deixei que o próprio Daniel decidisse o que gostaria de colocar ali. Sabiamente, Daniel fez a torrente ser um retrato de tudo aquilo que as pessoas falam, vivenciam, acreditam, inserindo muito dele mesmo, mas reconhecendo o misto de "culturas" das pessoas. Acho que isso cria uma proximidade do leitor com a obra e fez com que qualquer um pudesse se reconhecer naquilo. Enfim, os mestres sabem o que fazem com a folha em branco.
Aqui detalhes do trabalho do Daniel com uso de referências a partir de fotos. 1. ele define como vai ser a página, inclusive colocando o letramento primeiro; 2. utiliza fotos pra dar os detalhes de enquadramento, movimento etc. 3. arte-final encerra o processo.
Falando agora um pouco de arte, tanto eu quanto Daniel damos muito valor à pesquisa. Eu sabia bem pra onde seguir com a história, dei algumas referências de cenário ao artista de forma que ele entendesse minha visão: a ideia de se "retirar" de um lugar seguro e seguir pra outro, onde tudo pode ser maior, mais assustador, mais repleto de coisas e pessoas. Daniel usou cenários que pudessem ser mais comuns a mim e a ele, mas que também tivessem uma noção mais universal: ao mesmo tempo que era nosso lugar, poderia ser todo e qualquer lugar. Isso deu mais "camadas" ao contexto simbólico da história, o que é muito bom.
Daniel tem uma maneira muito clássica de trabalhar: ele faz um estudo de como imagina a página (layout), define o lápis e depois conclui a arte final. Nessas páginas podemos perceber, inclusive, como ele trabalhou com a "torrente de histórias", inserindo elas depois da página já bem caminhada.
Bem, pessoal, é isso. Espero que tenham gostado. Essa será a história que vai abrir meu portfolio. Espero ter começado em grande estilo.