Quando eu ensinava roteiro de histórias em quadrinhos no Estúdio Daniel Brandão – há uns 3 anos mais ou menos – semestralmente apareciam alunos empolgados por HQs de grande alcance midiático e autores e obras laureadas por críticos, como Watchmen, O Cavaleiro das Trevas ou Sandman. As pretensões desses alunos costumavam não ser pequenas: eles queriam ser os autores de imortalizadas megassagas em que passado presente e futuro são uma coisa só, em que a sociedade e a individualidade do ser humano são desconstruídos, em que a narrativa do elemento “página” é reprogramada para alcançar patamares nunca antes pensados, levando a mídia a pontos inesperados… entre outros tantos desejos reais de qualquer jovem autor fortemente envolvido com HQs e que tem descoberto o oceano de possibilidades da linguagem.
Na contramão de tudo isso, no entanto, um dos primeiros conselhos que eu dava a esses alunos é: pense na pessoa mais simples da sua vida, agora conte sua história de forma que essa pessoa entenda e se emocione – lição que aprendi com Daniel e que sentia que fazia parte da filosofia do Estúdio. Mas, falar algo assim para um jovem autor com sonhos de genialidades soa como uma morte da criatividade ou uma censura da originalidade. Parece ordinário demais contar histórias de pessoas ordinárias? Acredito que não, além de ser um importante passo para qualquer um que deseje trabalhar contando histórias.
Os fãs das grandes sagas de fantasia ou das grandiosas óperas espaciais por vezes esquecem o que é mais importante dentro desses universos extraordinários: o elemento humano. Maior que as tramas políticas entre Império e Rebeldes é a história do traumatizado menino que se torna o assustador (e popular) vilão Darth Vader da série Star Wars. Não foram as grandes guerras banhadas em efeitos especiais que emocionaram os espectadores de O Senhor dos Anéis, mas o fato do maior dos reis daquele mundo ter se ajoelhado em frente ao pequenino herói de seu povo, Frodo, reconhecendo a grandiosidade de sua coragem e humildade de seu espírito, enquanto tudo o que este queria era voltar para casa.
A inspiração das grandes histórias podem estar em outras, mas acredito que a real matéria-prima para um narrador são aqueles que estão à altura de seu olhar: familiares, amigos, colegas de trabalho, vizinhos, transeuntes etc. Gente de sentimentos e sensações verdadeiras, cuja forma de ser comunica-se com outros seres humanos, revelando, através das metáforas das histórias, seus medos, angústias, alegrias, desejos e sensações.
Com isso não quero dizer que as grandes, experimentais e maravilhosas megassagas devem ser deixadas de lado. Pelo contrário. Como fã e produtor, reconheço a importância de brincar com o incomum, o inalcançável ou o impossível. Quanto mais nos afastamos de nossa realidade palpável e dura, mais teremos liberdade em lidar com questões gerais, pertinentes ao maior número de pessoas possíveis. Fora o simples fato de ser divertido lidar com os mitos aparentemente inexistentes.
No entanto, tenho em mente que as histórias mais intimistas são as que melhor ressoam nos leitores, pois de alguma maneira falam de forma direta a seus corações, dando a eles uma voz que a falta de palavras às vezes eclipsa e faz com que eles voltem seus olhares a si mesmos… sendo essa uma importante função das histórias.