Fale-nos um pouco sobre sua carreira.
Como a maior parte dos desenhistas desse mundo, também desenho desde pequena. Não lembro de um momento da vida em que eu não desenhava. Então, na adolescência, conheci alguns quadrinhos que me fizeram ler mais quadrinhos. Como sempre tive vontade de contar histórias e me expressar com imagens, acabei encontrando nessa linguagem uma forma mais livre de me expressar, de botar pra fora o que eu sentia, principalmente na adolescência. Por muito tempo foi assim, mas não me profissionalizei super jovem. Estudei Ciências Sociais na faculdade, mas nunca parei de desenhar. Durante minha graduação fiz cursos de quadrinhos, de desenho e pintura, fiz até estágio no museu da universidade (Universidade Federal do Ceará). Após formada, ingressei no curso de Licenciatura em Artes Visuais que na verdade era o que eu sempre quis estudar, mas acabei saindo para trabalhar com quadrinhos e ilustração. Hoje eu trabalho só com isso e também integro um selo de impressos independentes de Fortaleza, Netuno Press, composto por mim e Márcio Moreira, Brendda Lima, Nycolas Di e Talles Rodrigues, todos profissionais dessa área.
Qual quadrinho fez você desejar fazer quadrinhos?
Foi Sandman. Até então o que eu conhecia de quadrinhos eram coisas que geralmente encontrávamos nas bancas: Turma da Mônica, super-heróis e alguns mangás. Eu já tinha lido mangás que amigos me emprestaram, mas nunca tinha ficado tão deslumbrada quanto no dia em que li Sandman pela primeira vez. Eu queria desenhar como aquelas pessoas, queria fazer personagens misteriosos e sombrios, e desenhar fantasia e magia. Então devorei tudo e depois fui atrás de outros títulos do selo Vertigo. Na época, eu nem pensava em ser profissional, achava que era algo pra pessoas de realidades muito distantes da minha. Essa vontade só veio muitos anos depois, quando eu já estava terminando a faculdade.
O que está sendo produzido na sua prancheta no momento?
Agora estou fazendo um quadrinho baseado na tese de uma antropóloga (o roteiro é dela). Ela estudou turismo sexual em Natal, RN, e conta um pouco da história de algumas mulheres que ela conheceu e conviveu lá por alguns anos. Vai ser um livro grande e estou bem ansiosa pra concluir e ver tudo pronto, estou gostando muito da história.
Como está sendo trabalhar em Os Mundos de Liz?
Minha contribuição foi rápida, uma tirinha dominical, mas confesso que foi um desafio pra mim pensar em algo que coubesse numa única página, pois já estou acostumada a histórias mais longas. Rabisquei umas ideias meio absurdas que descartei antes da versão final. De qualquer forma, gostei de ter colocado coisas aleatórias na história, me diverti fazendo.
Últimas palavras.
Pra quem quiser acompanhar meu trabalho é só me seguir no Instagram, @deborasantosart, sempre coloco coisas que estou fazendo e onde vou estar nas próximas feiras. Também dá pra acompanhar o Instagram da Netuno Press, @netunopress. Na minha página deborasantosart.tumblr.com tem todo o meu portfólio lá, bem como meu contato (e-mail) para comissions.
Há uma história que adoro contar – devidamente roubada do filme Agonia e Êxtase – em que Michelângelo, estando ao lado de um imenso bloco de mármore, ao encontrar o Papa Júlio II, apontou para a rocha e falou empolgado para o pontífice “Vê, meu senhor, seu Moisés já está aí dentro, basta que eu o liberte” [uma linha devidamente adaptada, mas que espero que ainda contenha o poder do texto original]. Acho esse trecho em especial muito rico, principalmente na enorme quantidade de interpretações que ele pode nos conceder. Irei, hoje, me fixar em uma.
Toda vez que penso no ato de Michelângelo em “ver” o Moisés dentro do mármore, imagino que ele queria dizer que já via o “fim” de seu trabalho, não no sentido de que ele sabia quando ou como iria acabar, mas que este certamente se finalizaria, pois todas as “correntes” seriam, enfim, retiradas quando sua nobre e humilde função se completasse. Para os curiosos, a obra teve seu último grilhão libertado em 1545 – há uma incerteza sobre seu início (se em 1513 ou 1515), mas tomou cerca de 30 anos de seu autor.
A percepção de Michelângelo evidencia uma faceta muitas vezes negada de sua genialidade: a capacidade de se dar fim às coisas. Qualquer processo, artístico, profissional, pessoal, merece um ocaso. Em algum momento de nossa História, entre o instante em que o tempo começou a ser medido e nosso presente, a inevitabilidade do fim mudou nossa percepção acerca “do que podemos fazer com o tempo que temos” para “não temos tempo o suficiente para fazê-lo”.
Mas a arte não tem pressa, apesar de reconhecer seu próprio poente. Cada obra possui seu lapidar calmo e processual, segue uma integridade tomada pela paciência, num ato mágico em sua conclusão, mas convencional per se: ao artista, o júbilo persiste mais no fazer do que no ver feito. No entanto, se a obra toma mais tempo que o movimento necessário entre os amantes do ato artístico, o que deveria ser uma aprazível caminhada se revela um fatídico tour de force, em que corpo e mente são testados a limites desagradáveis e em que o carinho do processo dá lugar à ansiedade de uma completude impossível, em um cambaleante movimento do artista de encontrar mais um detalhe que precisa ser corrigido, mais uma aresta a receber o toque da lixa, mais um ajuste que fugiu a seu olhar acurado e, com isso, o senso de que não se tem mais tempo (ou mais vida), de que aquele ciclo do eterno fazer devorou todos os outros.
Temos problemas em aceitar fins: de nossas obras, de nossas vidas, de nossos confortos. Mas o universo em que estamos funciona em ciclos de finitudes: algo finda para outro algo tomar seu lugar, baseando este novo começo nas experiências do que acabou, “na vida vivida” se assim preferirem. Dessa forma, é importante sim aceitar esses arremates como parte de um processo maior e significativo, mas é extremamente acolhedor entender o findar como algo pessoal, como a compreensão de que uma etapa de seu próprio âmago despede-se para dar lugar a algo novo e, com alguma positividade, melhor do que era antes.
Por isso, respeitemos nossos tempos, entendamos nossos passos, reconheçamos nossos fins. Pois até as estrelas, um dia, deixam de brilhar, aceitando suas “breves” vidas com tanta alegria, que a beleza de seus crepúsculos nos marcarão eternamente.
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