Os irmãos são cobertos pela nuvem de pó de magnésio, dando um ar idílico e mágico em torno deles. Os dois saltam nas barras, rodopiam no vazio, agarram-se e giram nas cordas, arremessando a si mesmos no ar. Pirueta e pouso. Ambos são aplaudidos, mas somente um se sente feliz pelo feito. O outro, por sua vez, percebe seus erros, revolta-se pelo acerto do irmão e não consegue ouvir os aplausos para si. A simples felicidade de seu fraterno oponente lhe é símbolo de derrota pessoal, imprecisão, incapacidade e falta de talento. Eles treinaram toda a vida juntos, tiveram as mesmas dietas, as mesmas rotinas, mas, por alguma razão, o primeiro irmão é melhor que o segundo – numa ordem construída pela frustração – e este, cada vez que percebe isso, se cobra mais, se exige mais, vai além dos próprios limites e só consegue perceber suas falhas. Para ele, o esporte deixou de ser um prazer para se tornar uma disputa, um esforço, um martírio.
Nós vivemos em disputas. Somos treinados a nos espelhar e compararmos uns com os outros, atentando para a vitória alheia como um conjunto de regras de um caminho bem pavimentado que refletem um “sucesso”, um “troféu”, não uma jornada. Quando não atingimos semelhantes objetivos, nossa frustração define culpados, cria demônios e nos coloca numa estrada com metas inatingíveis e fugazes.
No entanto, parece injusto nos impor exigências baseadas em outros. Nossas vidas e histórias são únicas, nossos tempos – aqueles além dos ponteiros e das medições matemáticas – seguem em seus próprios termos, falando através das “vozes” do corpo quando sentimos necessidade ou prazer por algo. Tomar a atenção para aquilo que o outro faz ou para o ponto que atinge é tapar os ouvidos pra si próprio, não ouvindo o que se precisa para se sentir bem e/ou como chegar a isso.
Há grandes disputas nas artes. Num perigoso e cruel jogo de vencedores e perdedores. Mas a arte não reconhece disputas. Ela não é uma arena de objetivos, mas uma escola de autoconhecimento. Ela não tem necessidades pois a arte é, assim como são todas as coisas naturais, tal qual as árvores de uma floresta ou os peixes de um rio: funcionando de suas próprias formas e nos seus próprios tempos para dar integridade a todo o sistema.
Aos que criam disputas, vendo-se correndo na direção dos “grandes” que inspiram: deem um tempo para si e olhem para suas próprias jornadas. Reconheçam e amem seus aprendizados. Sejam gratxs a eles. E se aceitem. Acima de todas as prerrogativas e “troféus”, todos somos artistas, pois todos temos a oportunidade de perceber e descobrir o melhor em nós mesmos.